Contas vão 'degringolar' sem reforma da Previdência, prevê secretário
Economia
Publicado em 01/10/2016
 
 

 

 
 
 
 

 Sem uma reforma da Previdência Social que contemple regras mais próximas àquelas que vigoram no resto do mundo, as contas públicas brasileiras, que já não estão bem, podem "degringolar" nos próximos anos, segundo avaliação do secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano, em entrevista ao G1.

Secretário de Previdência do Ministério da Fazenda, Marcelo Caetano (Foto: Alexandro Martello/G1)Secretário de Previdência do Ministério da Fazenda,
Marcelo Caetano (Foto: Alexandro Martello/G1)

O governo Michel Temer está prestes a enviar ao Congresso uma proposta de reforma da Previdência Social que prevê, entre outros pontos, a fixação de 65 anos como idade mínima para a aposentadoria.

A intenção era enviar o projeto antes do primeiro turno da eleição municipal deste domingo, mas, por pressão de partidos da base aliada, o texto final só deverá ser encaminhado a deputados e senadores depois da eleição.

De acordo com o secretário, o desarranjo das contas não se dará "de uma hora para a outra" e poderá levar décadas, mas, se não feita uma reforma da Previdência, avalia, inevitavelmente chegará a um ponto crítico.

"Tem um processo de crescimento da despesa previdenciária expressivo, mas não é uma coisa que no ano que vem já vai estourar tudo. Pode degringolar, sim, pode chegar a uma situação crítica, mas pode sempre se ter a alternativa de aumentar tributos", afirmou.

Previdencia, INSS, envelhecimento da popupação (Foto: Divulgação/MT e Previdência)Foto: Divulgação/MT e Previdência

Envelhecimento da população
A principal causa do aumento do rombo da Previdência nos próximos anos, diz o secretário, é o envelhecimento da população brasileira e a redução na taxa de natalidade. Esse movimento leva à queda do número de trabalhadores da ativa que "financiam" os aposentados.

"Hoje, para cada 11 idosos, você tem 100 pessoas em idade ativa [contribuindo para a Previdência]. A gente passa por um processo de envelhecimento populacional muito acentuado, principalmente por causa da queda da taxa de fecundidade, em que esses 11 idosos para 100 pessoas em idade ativa vão virar 44 idosos para cada 100 pessoas em idade ativa [em 2060]", prevê Caetano.

Tem um processo de crescimento da despesa previdenciária expressivo, mas não é uma coisa que no ano que vem já vai estourar tudo. Pode degringolar, sim, pode chegar a uma situação crítica, mas pode sempre ter a alternativa de aumentar tributos."
Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda

Segundo ele, o gasto do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para pagar todos os benefícios, que hoje fica em 8% do Produto Interno Bruto (PIB), pode passar, em 2060, ao equivalente a 17% do PIB.

Modelo insustentável
Para o analista de contas públicas da Tendências Consultoria, Fabio Klein, o modelo previdenciário atual é insustentável, porque vários fatores agem para que a conta seja "explosiva" no futuro.

Além do envelhecimento da população brasileira, ele citou a baixa idade mínima de aposentadoria e os reajustes anuais nos valores dos benefícios. Por isso, defendeu, a reforma da Previdência é necessária.

Sindicalistas contrários
A proposta de reforma sofre reações entre representantes dos trabalhadores. Para o secretário de Administração e Finanças da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Quintino Severo, a reforma em gestação no governo Michel Temer tira direito dos trabalhadores.

"Somos contra uma reforma que retira direitos e institui idade mínima", disse ele. De acordo com Severo, o governo deveria ter políticas de estímulo ao emprego, para aumentar a receita previdenciária.

Além disso, ele defende acabar com as isenções para hospitais filantrópicos e cobrar os débitos da Previdência, que ultrapassam, segundo afirmou, R$ 350 bilhões.

 
 
 
 

Tamanho do rombo
Com as regras atuais, a projeção é de que o rombo do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) cresça nove pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB) até 2060.

Para este ano, a expectativa do governo é de que o resultado negativo (diferença entre as receitas e despesas do INSS) some R$ 148 bilhões, pouco mais de 2% do PIB.

Daqui a 44 anos, em 2060, um tempo não tão longo quando se trata de Previdência Social, a estimativa é de que o déficit do INSS avance para mais de 11% do PIB. Não parece muito, mas, em reais, o valor do rombo previdenciário totalizaria R$ 8,9 trilhões. Nesse cálculo, a receita previdenciária somaria R$ 4,87 trilhões e, as despesas, R$ 13,82 trilhões.

"A gente observa que, manter o quadro como está hoje, vai impor sacrifícios muito maiores", disse Caetano. "Na minha perspectiva, a inação é a pior das alternativas", afirmou.

Ele acrescentou que, sem uma reforma, o governo teria que adotar outras medidas para fazer frente aos gastos da Previdência, entre as quais um forte aumento de tributos, a fim de evitar um desequilíbrio maior das contas públicas, e bloqueio de outras despesas (o que seria impraticável nestas dimensões).

Nessa hipótese, sem elevação de impostos, afirma, o endividamento brasileiro, que já é alto, se elevaria na mesma proporção do rombo previdenciário. A carga tributária brasileira, em 2015, somou 32,6% do PIB - a maior da América Latina e Caribe.

De acordo com estimativas do Ministério da Fazenda, sem a reforma, o governo teria de aumentar tributos ou cortar gastos num montante de cerca de R$ 680 bilhões até 2060, para manter as contas públicas equilibradas. Mesmo assim, o Brasil chegaria a 2060 como o país que mais gasta no mundo com Previdência Social (em percentual do PIB).

2017: déficit previsto de R$ 230 bi
Em 2017, o sistema previdenciário brasileiro deve ter um déficit (despesas maiores do que receitas) de R$ 230 bilhões  – englobando os trabalhadores do setor privado, do setor público e as pensões de militares –, o equivalente a 3,46% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a proposta de orçamento federal, encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional no final do mês de agosto.

O rombo previdenciário é pago por toda sociedade, com recursos obtidos por meio da arrecadação de impostos. Neste ano, o déficit dos sistemas de Previdência Social do país deve ficar em R$ 199,82 bilhões (3,19% do PIB). Com isso, a previsão é de um aumento de 16,8%, ou de R$ 33,5 bilhões, no rombo dos sistemas previdenciários em 2017.

Somente para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sistema público que atende aos trabalhadores do setor privado, a previsão é um déficit de R$ 181,2 bilhões (2,66% do PIB no próximo ano). Em 2016, a previsão é de um déficit de R$ 149,2 bilhões (2,39% do PIB).

O INSS se divide em dois: rural e urbano. O primeiro paga 9,3 milhões de benefícios e, o segundo, 18,75 milhões. Há ainda as pensões por morte, que somam 7,5 milhões.

Previdência rural e urbana, INSS (Foto: Divulgação/MT e Previdência)Previdência rural e urbana, INSS (Foto: Divulgação/MT e Previdência)

Aposentadoria rural
O déficit do INSS está ligado principalmente à aposentadoria rural. De acordo com Marcelo Caetano, em 2015 o sistema rural registrou déficit (despesas maiores que receitas) de R$ 91 bilhões, enquanto o urbano teve um superávit (receitas maiores que despesas) de R$ 5 bilhões.

"Mas, neste ano, a aposentadoria urbana muito provavelmente vai ser deficitária. Quando a gente está analisando Previdência, não pode se limitar a ver que está superavitário agora. É uma relação de longo prazo", disse Caetano.

Neste ano, a aposentadoria urbana muito provavelmente vai ser deficitária. Quando a gente está analisando Previdência, não pode se limitar a ver que está superavitário agora. É uma relação de longo prazo."
Marcelo Caetano, secretário de Previdência do Ministério da Fazenda

A regra atual exige que, para requerer a aposentadoria rural, os trabalhadores devem ter 60 anos (homens) e 55 (mulheres) e comprovar 15 anos de trabalho no campo. Não é preciso ter contribuído para o INSS.

Para melhorar as contas da Previdência rural, segundo o economista Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), seria difícil instituir uma contribuição nos mesmos moldes do que acontece com a urbana.

"Esses trabalhadores, às vezes, são autônomos, não têm vínculo fixo ou trabalham por empreitada. Pode até colocar contribuição, mas acho que vai ser difícil arrecadar", declarou.

Ele recomendou que a previdência rural tenha uma "fonte específica" de recursos, que poderia, por exemplo, ser o retorno da taxação de lucros e dividendos distribuídos, além do término de parte das isenções vigentes (desoneração da folha de pagamentos e a entidades filantrópicas). Com essas medidas, seria possível arrecadar R$ 60 bilhões a mais por ano, estimou Marconi.

 
 
 
 

Servidores e militares
Em 2015, segundo números oficiais, a previdência dos servidores públicos civis e militares, incluindo pensões especiais e anistiados, resultou em um rombo de R$ 72,5 bilhões. Se os estados forem incluídos nessa conta, o tamanho do buraco fica maior ainda: R$ 133,4 bilhões no ano passado.

Para os servidores públicos civis, segundo a proposta de orçamento federal de 2017, a previsão é de um rombo de R$ 35,12 bilhões (0,51% do PIB). Esse valor não considera, porém, o regime dos militares - cujo valor não está destacado na proposta orçamentária.

Para melhorar as contas, Marconi recomenda que a contribuição dos servidores públicos suba dos atuais 11% para 14%, algo que os alguns estados da federação já praticam.

Ele também defende o fim da paridade para servidores inativos (mas mantendo o poder de compra) e que as regras de aposentadoria sejam unificadas. Assim, a proposta de idade mínima de 65 anos valeria para todos – trabalhadores privados, servidores e militares.

Para o ano que vem, o governo estima que o déficit para as pensões de militares será de R$ 17,04 bilhões – ou 0,25% do PIB. A Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda não soube informar o número de pensões pagas aos militares.

Nesse caso, o economista da FGV, Nelson Marconi, propôe que se mexa no regime de pensão dos militares e que as suas regras de aposentadoria se aproximem mais do que vigorará para o resto do país (idade mínima de 65 anos). "Não se justifica uma disparidade tão grande", declarou Marconi.

 
 
 
 

A proposta de reforma
reforma da previdência preparada pelo governo Michel Temer deve obrigar parte da população, que começou a trabalhar mais cedo, a contribuir por um tempo maior para poder ter acesso à aposentadoria. Entretanto, essas pessoas também devem acabar recebendo um benefício maior, mais próximo ao teto do INSS, de acordo com Marcelo Caetano.

Segundo ele, deverá ser criado um tipo de bônus para quem trabalhar – e contribuir – por mais tempo. O valor, porém, continuará limitado ao teto do INSS, atualmente em R$ 5.189.

"As pessoas que venham a contribuir por um tempo maior, recebem mais do que as pessoas que contribuíram por um tempo menor. Se você for ver, em quase todo lugar do mundo os sistemas previdenciários dão um benefício maior para quem contribuiu por mais tempo, comparativamente com quem contribuiu por menos tempo", disse Caetano.

Como é e como pode ficar
Pelo sistema atual, o contribuinte precisa fazer uma pontuação mínima para conseguir se aposentar com 100% do benefício.

Essa pontuação é calculada pela soma da idade da pessoa e o tempo de contribuição e tem que ser de pelo menos 95 para homens e de 85 para mulheres.

Por exemplo: uma mulher que começa a trabalhar com 16 anos poderia, atualmente, se aposentar com 51 anos, após 35 anos de contribuição, pois a soma de sua idade ao se aposentar (51) mais o tempo de contribuição (35), resultaria em 86 pontos.

Esse cálculo é uma alternativa ao fator previdenciário, aplicado caso o trabalhador queira se aposentar antes, mas com um benefício menor.

O governo Temer já informou que pretende mudar a regra. A previsão é que deve passar a ser exigida idade mínima de 65 anos, tanto para homens quanto para mulheres, para se ter direito à aposentadoria.

Se a alteração for aprovada, aquela mesma mulher que começou a trabalhar aos 16 anos teria que trabalhar e contribuir por 49 anos (até os 65 anos) para ter direito ao benefício, ou seja, 14 anos a mais que na regra atual.

Sustentabilidade
De acordo com o ex-secretário de Previdência e consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim, a reforma tem de ser feita para tornar a Previdência sustentável, não para as pessoas receberem um benefício menor. "Para isso, precisam contribuir por mais tempo e receber por menos tempo", avaliou.

Segundo ele, a aplicação do fator previdenciário, que vale para quem não atingiu os requisitos da fórmula 85/95, reduz, em média, o benefício ao valor de dois terços do salário porque as pessoas se aposentam muito cedo.

"A pessoa que se aposentou muito cedo vai continuar trabalhando em um primeiro momento, mas quando chega a uma idade avançada vai ter de viver com aquela aposentadoria que foi reduzida drasticamente. Justamente quando estiver gastando mais com medicamentos", acrescentou o consultor.

Para Rolim, o trabalhador "previdente" "procura garantir uma renda melhor quando mais precisar". "A Previdência tem esse papel de proteger", afirmou.

 

Alexandro Martello-Do G1, em Brasília-01/10/2016 06h00-Atualizado em 01/10/2016 06h00

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