A tentativa do plenário da Câmara dos Deputados de votar de surpresa um projeto que poderia anistiar o caixa 2 em eleições anteriores foi classificada nesta terça-feira (20) de “golpe” pelo deputado Joaquim Passarinho (PSD-PA), que preside a comissão especial da Casa que discute medidas de combate à corrupção. Nesta terça, a comissão promoveu uma audiência pública para discutir o assunto.
O texto, que acabou retirado de pauta na sessão da noite de segunda-feira (19), após pressão de deputados contrários, previa tornar crime o recebimento de doações eleitorais sem declaração à Justiça Eleitoral. Na prática, como a lei só poderia ser aplicada a partir da aprovação pelo Congresso, o texto abriria brecha para anistiar quem fez uso de contribuições ilegais em eleições anteriores.
“O parlamento não pode mais se prestar a esse tipo de coisa (...). A gente espera que isso não aconteça mais. E [quero] agradecer aos deputados da comissão que estavam ali presentes, que se juntaram a nossas manifestações e nos ajudaram a tirar – aí sim eu posso falar – esse golpe que se estava preparando ontem”, criticou Passarinho durante a audiência.
O deputado afirmou ainda que havia “rumores de um grande arranjo” e que a comissão não havia sido consultada e tampouco o plenário sabia sobre o teor do texto, que ele chamou de "monstrengo".
“Foi algo muito estranho. Todo mundo sabia que tinha algo rondando aquela Casa. (...) Se havia algum tipo de acordo de cúpula, a base dos partidos não aceitou”, disse.
Para ele, o fato ocorrido no plenário foi “lamentável”. "Esse tipo de ação causa um descontentamento, pois isso não cabe mais no parlamento. As coisas têm de ser feitas às claras, independente de se aquilo era para beneficiar alguns partidos, tinham outros que poderiam ser beneficiados e que não aceitaram esse tipo de conchavo", declarou.
Relator da comissão, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) também criticou na audiência pública o episódio e declarou estar aliviado de “hoje não ter que amargar a tristeza de ver o parlamento cometer mais um equívoco”.
Ele anunciou que pretende dedicar audiências especifícas para debater a questão de caixa 2. Entre os que serão ouvidos está o vice-procurador-geral eleitoral Nicolau Dino, que teve o convite aprovado pela comissão nesta terça.
Lorenzoni explicou que a sua intenção é concluir o seu relatório até o fim de outubro para que seja votado na primeira semana de novembro na comissão e apreciado pelo plenário até o fim do mês.
Um dos articuladores do texto que seria votado na segunda no plenário, o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) defendeu que a comissão agilizasse a discussão sobre caixa 2 para que a medida pudesse ser aprovada no plenário a tempo de valer para as eleições deste ano. Ele sugeriu ainda que os debates ocorressem sem “conluio” ou “obscuridade”.
A costura do texto foi resultado de uma articulação suprapartidária, que vinha sendo feita havia algumas semanas, com o aval do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tanto por partidos governistas, como PMDB, PSDB, DEM, PR e PP, quanto da oposição, como PT.
Procurador
Entre os convidados da audiência pública estava o procurador Vladimir Aras, secretário de Cooperação Internacional do Ministério Público Federal.
Após o encerramento da sessão, ao ser questionado por jornalistas sobre a tentativa da Câmara de aprovar um projeto que anistiaria o caixa 2, ele preferiu não comentar.
Aras disse que a legislação atual já prevê punição a quem usar caixa 2, mas com base no Código Eleitoral e que, caso uma lei penal sobre o tema fosse aprovada, só valeria para o futuro.
Aras explicou, no entanto, que os casos anteriores continuariam enquadrados na lei eleitoral e, para que isso não acontecesse, seria preciso aprovar uma anistia específica.
Como caixa 2 hoje não é crime, a pessoa pode acabar respondendo por falsidade ideológica eleitoral ou lavagem de dinheiro.
“Hoje, a legislação permite que pessoas que utilizem caixa 2 sejam processadas com base no Código Eleitoral. Então, qualquer alteração para assegurar anistia teria que ser muito específica, estabelecendo a não aplicação desse artigo da Lei Eleitoral”, disse.
E acrescentou: “Qualquer medida para suprimir uma lei penal já existente precisa ser muito específica. Não é disso que se trata quando cuidamos da criminalização do caixa 2, que é apenas a tipificação de um ato específico”.
Sessão desta segunda
Inicialmente, a sessão da Câmara nesta segunda-feira (19) havia sido convocada para votar outras matérias, e a previsão era que, em seguida, houvesse uma sessão conjunta do Congresso Nacional, com senadores e deputados.
No entanto, conforme as articulações foram ganhando corpo, uma nova sessão da Câmara foi aberta para viabilizar a votação do texto sobre caixa 2, o que provocou o cancelamento da sessão do Congresso.
Para isso, colocou-se em pauta um projeto que tratava de questões eleitorais e estava com a tramitação parada havia quase dez anos. Como esse projeto tinha uma urgência aprovada anos atrás, isso permitia que fosse votado a qualquer momento. A estratégia regimental seria apresentar um substitutivo a esse projeto antigo que incluiria a questão do caixa 2.
Quando a pauta foi anunciada, houve uma revolta generalizada no plenário. A sessão chegou a ser suspensa por cerca de uma hora.
Enquanto isso, os líderes envolvidos nas negociações se reuniam a portas fechadas para discutir os termos finais de um texto que seria proposto em substituição ao que estava na pauta.
A proposta era usar como base uma das medidas apresentadas pelo Ministério Público Federal ao Legislativo de criminalizar o caixa 2, o mesmo que está em discussão na comissão especial da Câmara.
Além da criminalização de caixa 2, um grupo defendia que houvesse uma emenda anistiando o caixa 2 praticado em eleições anteriores. Diante da repercussão negativa, acabou-se abrindo mão desse trecho.
Fernanda Calgaro-Do G1, em Brasília-20/09/2016 12h32-Atualizado em 20/09/2016 14h55