Representante das empresas de máquinas diz que 93% do setor foi afetado pela greve
São Paulo – Em seu nono dia de paralisação, o movimento dos caminhoneiros conseguiu a proeza de afetar negativamente todos os setores da economia, que contabilizam bilhões em prejuízos. “Temos relatos de nossas associadas de que várias matérias-primas e componentes não estão chegando nas fábricas, além da dificuldade de obter combustíveis e lubrificante por causa da paralisação dos caminhoneiros”, diz José Velloso, presidente-executivo da Abimaq, associação que reúne as fabricantes de máquinas e equipamentos do país.
A entidade realizou uma pesquisa com mais de 250 empresas do setor para saber como elas estavam sendo afetadas pela greve dos caminhoneiros. O resultado é espantoso: 93% das empresas que foram consultadas responderam que estão com problemas de desabastecimento. Economia: Sindicato confirma paralisação nas três principais refinarias de SP
"Fizemos uma pesquisa e descobrimos que 93% do setor foi afetado pela paralisação dos caminhoneiros, com dificuldades no recebimento de insumos de toda a ordem"
“Isso é bastante sério. Esperamos que haja um acordo entre os envolvidos e a greve termine logo para que a indústria volte a produzir como antes”, declarou Velloso. Segundo ele, o maior erro nessa história toda é da Petrobras, e da política de reajuste automático de preços de seu presidente, Pedro Parente.
Segundo ele, Parente só olhou para os problemas da estatal e para a remuneração de seus acionistas, esquecendo-se de seu maior ativo – os consumidores. Velloso se declara um defensor da Petrobras e do reajuste de preços que remunere a petroleira, mas diz que é preciso trazer previsibilidade para seus clientes.
Além disso, considera que variações diárias de preços estão fora da realidade das empresas que atuam em mercados extremamente concorridos. “No mundo real não funciona assim. Sabemos que a Petrobras precisa se recuperar, mas precisamos de previsibilidade para continuar trabalhando”.
Qual foi o impacto das paralisações dos caminhoneiros na indústria de máquinas e equipamentos?
Fizemos uma pesquisa online com pouco mais de 250 empresas e descobrimos que 93% do setor foi afetado, com dificuldades no recebimento de insumos de toda a ordem, matérias-primas, componentes e até problemas na entrega de alimentos aos restaurantes que servem alimentação para os funcionários. Cada empresa tentou uma solução que ameniza os problemas à sua maneira.
Que soluções?
Algumas anteciparam o feriado de Corpus Christi, outras negociaram com os funcionários e os sindicatos a antecipação de férias e tem quem já está pensando em demissão. De uma forma geral, o setor está parando, porque não tem matéria-prima para tocar a produção. Outro problema são os artigos que estão prontos, mas a empresa não consegue despachar o produto da fábrica por falta de transporte. Isso começa a atrasar o faturamento.
Como a Abimaq avalia o movimento dos caminhoneiros e transportadores?
Nossa avaliação é que houve um erro da Petrobras. Tem vários setores, inclusive o nosso, que consomem commodities, e há variações de preços. Quando se fala em gasolina e diesel, está se falando de indústria e não de produção mineral. Petróleo é indústria mineral, mas na hora que a Petrobras está transformando em óleo, ela é uma indústria de transformação. O que acontece é que, de uma forma geral, as empresas-clientes não conseguem repassar os aumentos das commodities, porque estão em um mercado com vários concorrentes. Como a empresa vai ficar repassando preço todo dia? A indústria de transformação não tem condições de ficar reajustando preço diariamente conforme a variação dos insumos, mesmo que seja uma commoditie. No mundo real não funciona assim.
Mas a Petrobras alega que precisa desses ajustes para não ter perdas.
Sabemos que a Petrobras tem que se recuperar. Foi um desastre o que o governo e a diretoria anteriores fizeram com a empresa. Precisamos recuperar a Petrobras, porque ela é uma empresa monopolista. Mas sendo dona de um monopólio, ela usou essa musculatura para ficar repassando preços todo o dia. Só que empresas do mundo real não conseguem fazer o mesmo.
"Como dona de um monopólio, a Petrobras usou a sua musculatura para ficar repassando preços todo dia. Só que empresas do mundo real não conseguem fazer o mesmo"
Mas essa é a nova política de preços adotada pelo presidente da Petrobras, Pedro Parente, como forma de recuperar a companhia e voltar a remunerar seus acionistas.
Mas é equivocada. Não estou criticando o fato do Pedro Parente estar trabalhando para recuperar a Petrobras, mas sim a sua política de reajuste de preços. O problema é ele colocar os aumentos sem previsibilidade. Os clientes da Petrobras, não só os caminhoneiros, mas todos que consomem combustíveis, precisam ter previsibilidade. Discordo que a companhia repasse automaticamente o preço da commoditie petróleo para a gasolina e o diesel, porque na planilha de custos da Petrobras tem salários que são em reais e não variam como o petróleo. Além disso, existem os compostos e serviços, que são pagos em reais e que também não variam de acordo com a commoditie.
Poucos empresários têm sido tão contundentes nas críticas ao repasso automático do reajuste do petróleo.
Não se justifica o repasse automático do reajuste do petróleo em dólar para os preços dos combustíveis. O Parente deveria repassar o percentual correspondente à commoditie que influencia nos custos da Petrobras, e não tudo que está na planilha de custos dele. Essa questão de repassar integralmente os reajustes dos preços o tempo todo não está certa. Até porque deixa o mercado sem previsibilidade. Nenhuma empresa que está em um mercado concorrencial consegue repassar automaticamente aumentos de preços como Parente está fazendo.
Então qual é a saída?
A Petrobras precisa ter uma política de preços mais adequada ao mercado e não pensar só no resultado da empresa e de seus acionistas. Tem que pensar no resultado da Petrobras, mas tem que pensar também nos seus clientes, que enfrentam dificuldades para se manter no mercado. Não é só a Petrobras que tem dificuldades. Não podemos resolver os problemas que a administração anterior causou à Petrobras, causando um dano maior para as empresas e para o país.
O senhor quer dizer que a política de preços da Petrobras só beneficia a ela mesma e seus acionistas, e não a sociedade brasileira?
Não estou criticando a Petrobras por recompor seus preços. Ela precisa reajustar seus preços. Ela tem que ter lucro, remunerar seu negócio e seus acionistas. A questão é a política de reajuste de preços, que tem que ser mais estável. Por exemplo, agora, em função das paralisações, o governo tomou a medida de reajustar o diesel dentro de 60 dias. É uma decisão que, apesar de atender os caminhoneiros, vai dar maior previsibilidade para o mercado. A palavra-chave é previsibilidade. A Petrobras é monopolista e deveria dar maior previsibilidade para o mercado e, também, rever a sua planilha de custos, porque não é só o petróleo que faz parte dos custos da Petrobras.
Congelar os reajustes do preço do diesel por 60 dias é a melhor solução para garantir a previsibilidade?
Para quem consome diesel, sim. Agricultura, caminhões, fornos industriais e todo mundo que consome óleo diesel, todos eles vão dispor de maior previsibilidade. Pelo menos por enquanto. Mas continua o problema da variação de preços da gasolina. O que eu acho é que todos os derivados de petróleo da Petrobras teriam que ter uma previsibilidade de reajuste para os seus consumidores.
Parece que a proposta do governo para conter a greve dos caminhoneiros não foi suficiente, porque boa parte deles continua sem trabalhar.
Eu acho que o governo está fazendo tudo que os caminhoneiros pediram e eles deveriam ter voltado a rodar. Aí, entro naquela tese de que talvez não sejam só os caminhoneiros que estão por trás desse movimento, mas não tenho como provar isso. É tudo especulação. Mas voltando à pergunta: acho, sim, que é suficiente e os caminhoneiros têm que voltar a trabalhar. O governo tomou duas decisões que ele próprio não queria ter tomado: o tabelamento de frete e a questão do subsídio aos acionistas da Petrobras, que será pago pela sociedade.
O sr. considera que o governo fez a sua parte?
O governo já negociou, já fez a parte dele. Agora é uma questão de polícia, da área de inteligência, da Defesa e do Exército. Eles têm que botar ordem no país. Não acredito que o governo tenha mais espaço para negociar. Acho que ele já cedeu bastante.
"Eu espero do próximo governo reformas, reformas e reformas. As da Previdência e Tributária são imperativas. O Brasil não sobrevive mais sem elas%u201D
As paralisações devem afetar o resultado do setor neste ano?
Nós estávamos com uma expectativa de crescer em torno de 8% este ano. No primeiro trimestre, crescemos quase nada. Com esse resultado, mais essas paralisações, vamos reduzir o crescimento para cerca de 5%. Com essa crise dos combustíveis, as fábricas estão há dez dias sem faturar, ou seja, um terço de um mês sem entrar dinheiro no caixa. Apesar disso tudo, vamos manter uma previsão de crescimento, mas menor, de 5%, neste ano. Além das vendas não estarem acontecendo, ainda tem essa paralisação dos caminhoneiros, que vem somar negativamente.
Qual é a sua expectativa em relação ao novo governo que será eleito neste ano?
Esperamos que na hora do voto o brasileiro ponha a mão na consciência e vote da melhor maneira possível.
Mas, objetivamente, o que o setor espera do novo governo?
Reformas, reformas, reformas. Qualquer que seja o vencedor, ou vencedora, não terá vida própria nos primeiros dois anos. Ele, ou ela, será empurrado para as reformas. Reformas da Previdência e Tributária são imperativas. O Brasil não sobrevive mais sem essas duas. Para fazer a reforma tributária, quem estiver na Presidência terá que discutir bastante a questão fiscal, a responsabilidade dos gastos. Passa também pelo pacto federativo.
O governo Temer vai deixar que legado para o setor produtivo?
A reforma trabalhista. Foi fantástica, o melhor legado deste governo. Ajudou muito o nosso setor. Acho que foi bom para todo mundo, porque na hora que se faz uma reforma, com a expectativa de aumentar a possibilidade de gerar emprego, está se ajudando o trabalhador.
Mas a geração de emprego prometida ainda está muito abaixo do que se previa.
Muito por conta da crise, não por causa da reforma.
Por Lino Rodrigues/Site Estado de Minas
Postado em 30/05/2018 06:00 / Atualizado em 30/05/2018 09:06
A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet