O comportamento do Superior Tribunal de Justiça não reflete exatamente os números divulgados pela corte nesta sexta-feira (2/2). Ampliado o recorte temporal da análise do comportamento da seção criminal do tribunal, o resultado é que as decisões favoráveis aos réus em recursos penais foram 10% do total, e não os divulgados 0,62%.
Classe Processual
Decisões Providas
Total de Decisões (1)
Percentual
AREsp
2.660
50.068
5,31%
HC
14.550
45.287
32,13%
REsp
5.833
32.451
17,97%
RHC
2.279
31.991
7,12%
Total Geral
25.322
159.797
15,85%
Entre janeiro de 2009 e agosto de 2016, a corte julgou 82,5 mil recursos especiais e recursos com agravo em matéria penal. E desse total, 10,3% foram favoráveis ao réu. Considerados apenas os recursos e dispensados os agravos, o réu saiu favorecido em 18% das decisões no período.
Os dados de 2009 a 2016 também foram produzidos pelo STJ e consolidados em julho de 2017. No dia 1º de agosto, foram enviados ao Supremo Tribunal Federal a pedido do então presidente, ministro Ricardo Lewandowski, para subsidiar o debate das ações que discutem a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que proíbe a execução da pena de prisão antes do trânsito em julgado da condenação.
A pesquisa divulgada nesta sexta pelo STJ considerou apenas dados de setembro de 2015 a agosto de 2017. Um corte temporal bastante restrito, portanto. Analisando um período maior, é possível concluir que o peso do STJ não é nada desprezível.
O estudo desta sexta diz que o STJ só reforma decisões para absolver o réu em 0,62% dos casos. Mas os dados enviados a Lewandowski em agosto de 2017 mostram que, consideradas todas as decisões penais do STJ num período de sete anos, o réu foi favorecido em 15,85% das vezes.
De acordo com as planilhas, os Habeas Corpus também merecem destaque. Foram analisados 45,2 mil entre 2009 e 2016 e concedidos 14,5 mil. O que dá 32% do total – o levantamento só considera decisões terminativas, ou seja, as que encerraram a discussão.
Endereço certo O levantamento desta sexta foi divulgado para tentar rebater os argumentos contrários à execução antecipada da pena de prisão. Em fevereiro de 2016, o Supremo autorizou a execução da pena de prisão depois da confirmação da condenação pelo segundo grau. Venceu a tese do ministro Teori Zavascki, de que a segunda instância encerra as discussões sobre fatos e provas, deixando para as instâncias especial e extraordinária as discussões de direito.
Mas tem ganhado força no STF a tese do ministro Dias Toffoli, de que se deveria esperar o pronunciamento do STJ sobre a condenação. Para o ministro, como o STJ é a primeira instância a discutir apenas teses de direito, suas decisões influenciam no regime de cumprimento de pena e na dosimetria, por exemplo – questões que têm efeitos diretos na liberdade dos réus.
Toffoli ficou vencido, mas o ministro Gilmar Mendes tem dito que pretende acompanhá-lo caso a discussão volte ao Plenário. E o ministro Marco Aurélio, contrário à execução antecipada, já liberou para julgamento o voto no mérito das ações que discutem a constitucionalidade da prisão antes do trânsito em julgado.
A divulgação do levantamento do STJ nesta sexta quer evitar a revirada no placar. O estudo foi pedido pelo ministro Luís Roberto Barroso e tocado pelo ministro Rogério Schietti, presidente da 3ª Seção do STJ. Ao divulgar a pesquisa, Schietti disse que ela trazia “um retrato mais preciso sobre o destino dos recursos julgados no STJ, ponto fundamental a ser considerado no momento em que se discute a hipótese de mudança de jurisprudência do STF”.
Liberdade constitucional Ao chegar ao Supremo, os casos já estão filtrados pela análise qualificada do STJ. É de se esperar, portanto, que o índice de reforma seja menor. Mesmo assim, em casos penais, 7% das decisões do STF entre 2009 e 2016 foram favoráveis ao réu.
Não são números que emocionam os ministros do Supremo contrários à tese da execução antecipada. “Quantas liberdades garantidas pela Carta Política precisarão ser comprometidas para legitimar o julgamento plenário do Supremo Tribunal Federal que, ao instituir artificial antecipação do trânsito em julgado, frustrou, por completo, a presunção constitucional de inocência?”, provocou o ministro Celso de Mello, do Plenário, quando a corte julgou cautelar sobre a constitucionalidade da execução antes do trânsito em julgado.
O ministro também recebeu o levantamento do comportamento do STJ entre 2009 e 2016 e se disse bastante impressionado com o índice de reforma das decisões locais. Principalmente porque, segundo ele, bastava que fosse apenas um réu inocente com prisão decretada para que se justificasse o que está escrito no inciso LVII do artigo 5º da Constituição: “Ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória".
“É possível a uma sociedade livre, apoiada em bases genuinamente democráticas, subsistir sem que se assegurem direitos fundamentais tão arduamente conquistados pelos cidadãos em sua histórica e permanente luta contra a opressão do poder, como aquele que assegura a qualquer pessoa a insuprimível prerrogativa de sempre ser considerada inocente até que sobrevenha, contra ela, sentença penal condenatória transitada em julgado?”, questionou Celso de Mello.
Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 2 de fevereiro de 2018, 19h53 - Site Conjur- A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet