Sucumbência na reforma trabalhista é ruim para as partes e até para advogados
Opinião
Publicado em 25/12/2017

 

Por Rodrigo Arantes Cavalcante

“A vida já não é mais vida
no caos ninguém é cidadão
as promessas foram esquecidas
Não há estado, não há mais nação” (O Calibre. Os Paralamas do Sucesso. Compositor: Herbert Vianna)

Nestes últimos dias temos acompanhado na grande mídia notícias da aplicação pelo Poder Judiciário da Lei 13.467/17, mais conhecida como reforma trabalhista, em especial no que diz respeito à condenação de trabalhadores ao pagamento de verba de honorários de sucumbência.

A referida lei instituiu no processo do trabalho figura antes não existente que prevê que a parte sucumbente, ou seja, que perde algum pedido, deve pagar ao advogado da parte contrária a título de sucumbência (perda) de 5% a 15% sobre o valor da condenação, ou perda do objeto pedido, percentual que será fixado pelo juiz.

Esse valor é diverso dos honorários que as partes (trabalhador/empregador) contratam com seus advogados, que por sua vez continuam devidos não havendo compensação com a nova figura criada. Portanto, não importa se o trabalhador é ou não beneficiário da justiça caso realize algum pedido e perca o mesmo, seja por ausência de provas ou por entendimento do juiz que possui livre convencimento no processo, será condenado a pagar sobre aquele determinado pedido ao advogado da parte contrária, salvo raras exceções.

Por outro lado, para as empresas o processo trabalhista também ficou mais caro, já que sobre os pedidos que ela perder no processo também terá de realizar este pagamento ao advogado da parte contrária – advogado do trabalhador. Assim, podemos afirmar que a nova lei não é boa para nenhuma das partes.

Mas não é isso que a mídia quer que as pessoas pensem, estamos acompanhando grande publicidade em que consta que o trabalhador “x” ou “y” foi condenado em tantos mil reais por ter entrado com o processo trabalhista, e tais notícias apenas esquecem de contar que as empresas que muitas vezes também foram condenadas no mesmo percentual também estão sendo majoradas em suas condenações.

Logo, a reforma trabalhista, com seus honorários de sucumbência, possui um objetivo muito claro: incutir medo aos trabalhadores de todo o país, no sentido de que buscar seus direitos violados pode sair muito caro. Logo o melhor seria “deixar pra lá” e não acionar a empresa violadora.

Tal fato já é comprovado com pouco tempo da vigência da lei, em pesquisas divulgadas a número de ações trabalhistas já diminuiu, mas isso não significa que menos direitos foram violados.

Em um passado não tão distante tínhamos os trabalhadores tratados como coisas. Em certas situações “empregadores” concediam um local para aquele trabalhador dormir e comer e, em troca, o “trabalhador” teria de trabalhar. Em alguns casos, além de não receber seu salário, ainda estava sempre em débito com seu “empregador”, que lhe cobrava o alojamento e a alimentação em verdadeiro trabalho análogo à escravo, figura esta que ainda nos dias atuais infelizmente ainda temos em menor quantidade.

Contudo, essa prática ao longo da história estava cada vez mais distante pela atuação dos fiscais do Trabalho, Ministério Público do Trabalho, advogados e da própria Justiça do Trabalho.

Tivemos na história um período de evolução, porém na atualidade observamos um verdadeiro retrocesso com a nova legislação (Lei 13.467/2017 e MP 808), que autoriza o preposto profissional e regulamenta os honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, inclusive para o beneficiário da justiça gratuita, além de outras questões que afrontam não só a Constituição Federal como princípios e tratados Internacionais.

Com a nova lei o trabalhador pode ingressar com uma ação trabalhista por ter seu direito realmente violado, não conseguir provar e ainda sair devedor, o que muito se assemelha com a coisificação do trabalhador de séculos passados.

No mais, a nova regra não é boa nem mesmo ao Estado Democrático de Direito, ante a inibição ao acesso ao Poder Judiciário devido a este temor que vem sendo incutido aos trabalhadores, que visa e poderá ocasionar o fim da Justiça do Trabalho.

Afinal quem precisa procurar uma “Justiça” se a pessoa que não puder comprovar direito ainda sai com conta para pagar? Portanto, se a Justiça do Trabalho se tornar ineficiente para os fins aos quais foi criada, de fato será desnecessária, por ausência de demandas ou ainda por ausência de finalidade.

Isso porque a maioria das ações trabalhistas tem como resultado a procedência parcial da ação, ou seja, o trabalhador via de regra obtém êxito em parte de seus pedidos, principalmente porque via de regra as questões versam sobre matérias de ordem fática, e nem sempre o trabalhador possui todas as provas necessárias no momento da audiência, seja pela demora na marcação da mesma, seja pela própria dificuldade da prova de determinados fatos.

Assim, com a aplicação dos honorários de sucumbência podemos afirmar que o empregador terá como resultado final condenações maiores e, o reclamante terá em regra descontado de seus créditos referido valor no objeto que perdeu ou ainda a sua condenação quando não beneficiário da justiça gratuita ainda que não tenha créditos naquele processo ou em outro para suportar a demanda.

Porém, em que pese alguns advogados e intelectuais acharem e fundamentarem que os honorários de sucumbência na Lei 13.467/2017 vieram “prestigiar” a advocacia ouso, com o devido respeito, discordar já que, com a aplicação dos honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho, a única coisa de fato que teremos é a vedação ao acesso à justiça. As estatísticas já o demonstram.

Muitos justificam a necessidade dos honorários advocatícios aos trabalhadores ainda que beneficiários da justiça gratuita com a seguinte afirmação: “pedem mais do que têm direito”. Contudo, muitas vezes, como vimos, não possuem a procedência do pedido por questões processuais, embora de fato tenham o direito.

No mais, para casos pontuais de excessos sempre tivemos a figura da multa por litigância de má-fé, não podendo a sucumbência ser aplicada como penalidade como vem ocorrendo de forma geral e indiscriminada. Quando somos contratados pelas partes (seja empregado ou empregador) temos de defender os interesses dos mesmos.

Assim, a sucumbência não é boa para o empregador — já que quando condenado paga mais caro —, não é boa para os trabalhadores — que são penalizados pela mesma —, não é boa para a sociedade — ante o medo e a violação do acesso à justiça —, que causa a dificuldade de solução dos conflito pelo Estado e pode gerar a barbárie e a volta da autotutela de forma indiscriminada e não pacífica.

Além dessas reflexões, temos de ter em mente que a Lei 13.467/2017 teve como fundamento a necessidade de “modernizar” a legislação e flexibilizar direitos dos trabalhadores para que a economia melhorasse. No entanto, tal tese não se sustenta, já que o caput do art. 170 da Constituição Federal é claro no sentido de que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho.

Portanto, a valorização do trabalho é a base, e a história já demonstra que a economia só cresce verdadeiramente quando temos a esta base. Como podemos considerar que o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana inserido no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988 está sendo de fato aplicado quando todos os dias são veiculadas notícias no sentido de que trabalhadores (bancários, acidentados, rurais, entre outros) estão além de desempregados com uma condenação em honorários de sucumbência?

Será que esse é o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil quando, no art. 3º, I da Constituição Federal, diz que um dos objetivos da República é construir uma sociedade livre, justa e solidária?

Será que a aplicação dos honorários de sucumbência aos empregadores e trabalhadores vai ajudar na economia e vai garantir o objetivo fundamental de garantir o desenvolvimento nacional inserido no art. 3º, II da Constituição Federal? Creio que não!

Além disso, citando como exemplo a notícia veiculada nestes últimos dias de uma bancária que fora condenada em honorários de sucumbência contra uma importante instituição financeira, questionamos como reflexão: será que esse tipo de condenação contra trabalhadores está de acordo com o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil que entre outros é de erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais (art. 3º, III da Constituição Federal)?

Penso que a respostas acima seriam negativas e, se começarmos a aplicar os honorários de sucumbência da forma contida na lei, a sociedade estará em pouco tempo endividada. O trabalhador ingressará na Justiça credor e sairá devedor; não irá consumir como antes, não terá sua dignidade.

Por outro lado, o empregador brasileiro quando condenado pagará não apenas o que deve com juros e correção, mas também terá a essa conta acrescido de 5% a 15% de honorários para o advogado da parte contrária.

Dessa forma, condenar pequenas e médias empresas nacionais em honorários de sucumbência irá prejudicar este empregador brasileiro, fará com que pequenas e médias empresas nacionais sejam com o devido respeito extintas por empresas estrangeiras, já que muitas vezes não possuem capital para arcar com mais esta despesa.

Para solucionar essa questão há três formas. Uma seria a mais correta: revogar o instituto no âmbito trabalhista, ou na pior das hipóteses isentar o pagamento por parte daquele que é beneficiário da justiça gratuita.

Outra forma mais segura e mais rápida e que depende somente dos advogados das partes vem a ser que os advogados de comum acordo abram mão no processo dos honorários sucumbências, acabando de fato com o instituto, ante a sua não aplicação prática.

A terceira e última hipótese vem a ser o pedido nos processos trabalhistas de não aplicação da Lei 13.467/2017 em diversos dispositivos principalmente no que tange aos honorários de sucumbência, inclusive porque referida legislação está contrária ao princípio da proteção que é a razão de existir do direito do trabalho, bem como viola o princípio da vedação ao retrocesso social e, consequentemente, a art. 7º caput da Constituição Federal já que não garante aos trabalhadores a melhoria de sua condição social.

Com tais condutas os advogados defenderiam os interesses de seus clientes e de certa forma lutariam contra o fim da Justiça do Trabalho, defendendo a Constituição Federal, o Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, cumprindo com o juramento que fizemos quando ingressamos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.

“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.”

Espero ter com este texto provocado a reflexão do leitor principalmente dos advogados trabalhistas, que podem neste momento de instabilidade jurídica trabalhista em nosso país ter papel de destaque na busca da justiça social.

 é advogado, professor, autor de obras jurídicas pela editora LTr. É especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Direito Público. Membro da Comissão de Direito Material do Trabalho da OAB-SP e da Comissão de Direito à Adoção da OAB-SP.

 

Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2017, 7h26 - Site Conjur - A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet

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