O Direito Penal brasileiro não entrega o que deveria: impedir a criminalidade. Assim, só serve "para punir menino pobre com 100 gramas de maconha”. A opinião é do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, para quem as normas do Brasil não são capazes de impedir os crimes do colarinho branco e alcançar pessoas que ganham mais de cinco salários mínimos por mês.
“Um Direito Penal, como aconteceu no Brasil, absolutamente incapaz de punir a criminalidade do colarinho branco, de punir qualquer um que receba acima de cinco salários mínimos, criou uma nação de delinquentes. Esta é a triste verdade do que aconteceu no Brasil. O país da corrupção passiva e ativa, do desvio de dinheiro, do peculato, da lavagem de dinheiro, da fraude a licitações”, afirmou o ministro, palestra em evento na Argentina, nesta segunda-feira (6/11).
Segundo ele, a legislação brasileira, é feita da elite para a elite, tornado-se “autoprotetiva”. “É dificílimo punir efetivamente um agente público ou privado que desvia R$ 10 milhões de dinheiro público”, complementou.
Barroso exemplificou essa proteção citando o crime de sonegação fiscal. Ele destacou que delito compensa no Brasil, pois, além de ter pena baixa, a punição pode ser extinta se o valor for pago, mesmo após o trânsito em julgado da ação.
Essa mesma elite, continuou, insiste em criar dois grupos de corruptos, separando aqueles que são distantes e cometem crimes daqueles que são mais próximos, mas praticam as mesmas condutas.
Destacando que “projetos de apropriação privada do espaço público” não têm mais espaço no Brasil atual, Barroso explicou que o combate à corrupção enfrenta dificuldades porque, uma parcela dos corruptos tem medo de ser punida pelos crimes já praticados, enquanto outra quer mesmo é permanecer cometendo seus crimes.
“Essas pessoas, que se supõem imunes, elas resistem, muitas, compreensivelmente, não querem ser punidas. Mas há um lote pior, é o lote dos que não querem ficar honestos nem daqui para a frente. E que são resistentes a toda e qualquer mudança que se pretenda fazer e, portanto, querem perpetuar esse pacto de saque que ainda existe no Brasil”, disse.
Barroso destacou que o Direito Penal tem que ser moderado, mas sério. Não podendo se amoldar ao estado policialesco citados por alguns nem ser negligente como afirmam outros. “O Estado que pune o empresário que ganhou a licitação porque pagou propina não é um Estado policial, é um Estado de Justiça. O Estado que pune aquele que pune o banqueiro que tinha inside information não é um Estado policial, é um Estado de Justiça.”
Delações e prisões
Esse seria a fórmula, de acordo com Barroso, para acabar com o “país feio e desonesto que nós criamos”. Um desses meios, defendeu, é o uso da delação premiada, que seria “a única forma de repatriar dinheiro enviado a paraísos fiscais ilegalmente”.
Ao comentar a prisão antes do trânsito em julgado do processo, o ministro diz que não seria um problema colocar como trava o Superior Tribunal de Justiça, desde que o réu tivesse direito a apenas "um recurso e uma manifestação no STJ". Mas, segundo ele, o que se quer "é reabrir a porta por onde recursos procrastinatórios indefinidos fazem com que o processo se estique até o momento da prescrição”.
Patrimonialismo arraigado
Uma das causas da corrupção no Brasil, para Barroso, é o patrimonialismo, “que não separava a Fazenda Pública da fazenda do rei” e consagrou o jargão “rouba, mas faz”. Uma das causas, disse, é excesso do Estado em todas as áreas da sociedade: “Estado que se mexe trazendo corrupção, ineficiência e politização a espaços em que não deveria estar”.
Outra das causas da corrupção no Brasil, continuou o ministro, é o processo eleitoral, que é falho e favorece esse tipo de crime. “Sistema político brasileiro reprime o bem e potencializa o mal”, disse, destacando que o custo para se eleger um deputado federal é R$ 10 milhões, enquanto, em quatro anos de mandato, o máximo que um parlamentar pode ganhar é pouco mais de R$ 1 milhão.
Clique aqui para ler o texto usado como base para a palestra de Barroso.
Revista Consultor Jurídico, 6 de novembro de 2017, 14h56 - Site Conjur - A imagem da capa do site Multisom foi retirada de arquivos da internet