Ponto principal é que a negociação entre patrões e empregados passará a valer mais do que a lei em situações específicas
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Postado em 05/11/2017 15:32
Falta menos de uma semana para que as novas regras trabalhistas entrem oficialmente em vigor, em 11 de novembro. A espinha dorsal da Lei nº 13.467, que traz mais de 100 novidades à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é a prevalência do “acordado sobre o legislado” em determinados temas. Significa dizer que a negociação entre patrões e empregados passará a valer mais do que a lei em situações específicas, como a decisão sobre o fracionamento das férias e a organização dos planos de cargos e da jornada de trabalho.
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As duas partes poderão decidir, em conjunto, como distribuir melhor o tempo trabalhado, desde que respeitados os limites de 44 horas semanais e de 220 horas mensais estabelecidos pela legislação, que não foram modificados na reforma. “Você não pode alterar o horário de trabalho de 8h por dia ou 44h por semana, mas pode mudar a forma de compensar isso”, explica o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan. “Esse instrumento pode ser usado por um funcionário que tem interesse de trabalhar 10 horas de segunda a quinta-feira e, na sexta, ir embora ao meio-dia, por exemplo. Se for bom para ele e para o empregador, tem como firmar esse tipo de acordo”, observa. A lei “não obriga a mudança dos contratos vigentes, apenas a possibilita”, acrescenta o especialista.
A legislação também permite que os intervalos durante o trabalho sejam flexibilizados. Atualmente, a empresa é obrigada a dar de uma a duas horas de descanso para os empregados que fazem a jornada padrão, de seis horas por dia. Esse tempo passará a ser de, no mínimo, 30 minutos, o que será definido por acordo individual ou coletivo, feito entre o sindicato e a empresa. A ideia é que a diferença no período seja abatida no fim do expediente, o que permitirá que o trabalhador vá embora mais cedo, por exemplo. “A tendência é que temas como a jornada de trabalho e a duração de intervalo sejam as primeiras pautas colocadas em prática, porque podem otimizar o trabalho de forma mais simples e trazer vantagens para ambos os lados”, avalia o especialista em mercado de trabalho Emerson Casali, diretor de Relações Institucionais da CBPI Produtividade Institucional.
Individual
Por acordo individual, diretamente entre empregado e patrão, também poderão ser negociados pontos como o banco de horas, que, atualmente, depende de acordo coletivo com a participação do sindicato da categoria. A partir de sábado, se as duas partes concordarem com os termos, a compensação poderá ser feita de maneira flexível, desde que as horas trabalhadas a mais sejam compensadas em até seis meses. Para o sindicalista Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, vinculado à Força Sindical, essa questão é problemática porque, ao não passar pelo sindicato, “o acordo vai diretamente para o patrão, sem que o trabalhador tenha uma orientação sobre isso”.
Quanto às férias, o período disponível continua o mesmo: 30 dias por ano. O que muda é que, em consenso com o empregador, o funcionário poderá dividir esse período em três, desde que um deles tenha pelo menos 14 dias corridos. A lei passa a permitir também que funcionários com mais de 50 anos de idade possam fracionar as férias, opção hoje vetada pela CLT. Além disso, fica proibido o início das férias dois dias antes de feriado ou de dia de repouso semanal remunerado (geralmente, domingo). “Isso, se essa divisão for interessante para o trabalhador. Se ele não quiser, as férias continuam sendo como sempre foram”, pontua Furlan.
Outro ponto que dependerá de negociação entre empregador e funcionário é a possibilidade de demissão por consenso entre os dois. Pela legislação atual, quando pede demissão ou é demitido por justa causa, o trabalhador não tem direito à multa de 40% sobre o saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), nem à retirada do fundo. A partir de 11 de novembro, o contrato poderá ser extinto de comum acordo, com pagamento de metade da multa. O trabalhador poderá sacar 80% do fundo, mas não terá direito ao seguro-desemprego.
Para os técnicos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), esse é um dos pontos questionáveis das novas regras. Eles entendem que, na prática, poderá haver pressão para que o trabalhador entre em um acordo que não o beneficie. Em nota técnica sobre a reforma, a entidade afirmou que “as relações de poder entre patrão e empregado são assimétricas” e, portanto, o estabelecimento de comum acordo “é uma opção que pode significar perdas para o trabalhador, que será levado, em muitos casos, a aceitar essa modalidade de rescisão contratual”.
Hierarquia
O Dieese também entende que as novas regras fragilizam a proteção ao trabalhador demitido ao acabarem com a obrigatoriedade de que os sindicatos ou o Ministério do Trabalho homologuem as rescisões de contrato de trabalho com mais de um ano. “O trabalhador que precisar e buscar assistência para a realização da rescisão terá que arcar com o ônus desse auxílio. A regra vai dificultar que o trabalhador possa, no momento da rescisão, entender o que está sendo pago e reivindicar futuramente alguma verba que tenha sido paga abaixo do valor”, explica a entidade.
Uma das principais críticas em relação à reforma, ressaltada pelo procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, é o fato de que o empregador tem mais possibilidade de impor as condições na hora de negociar. Patrão e empregado não estariam, portanto, em pé de igualdade para poder chegar a um acordo. Por isso, ele entende que a reforma é “inconstitucional desde a espinha dorsal”. O negociado sobre o legislado, segundo ele, “reduz a proteção social do trabalhador”.
Mau empregador
O impasse que pode surgir nessa situação é reconhecido por Alexandre Furlan, da CNI. “Quem dirige a prestação de serviços é o empregador. Então, eu não vou dizer que ele não tem a prevalência da hierarquia. É claro que, se uma empresa tiver, por exemplo, dois empregados, concordo que eles estarão mais sujeitos a fazer o que o patrão quer, para não perderem o emprego. Isso pode acontecer”, considera. Mas ressalta: “Isso é o mau empregador, que nós não defendemos”.
Legislação mais flexível
A prevalência do negociado sobre o legislado, ponto principal da nova legislação trabalhista, não é novidade, explicam os especialistas. “Desde que não subtraia direitos, a negociação sempre pôde se sobrepor à lei”, explica Emerson Casali, diretor de Relações Institucionais da CBPI Produtividade Institucional. O grande mérito da reforma é “oficializar” o que já é feito atualmente. “As pautas da área empresarial ainda estão muito cautelosas, e as da área de trabalhadores, muito defensivas”, afirma.
Apesar de flexibilizar a lei, nenhuma negociação poderá se sobrepor aos direitos garantidos na Constituição Federal. Pontos como garantia de salário-mínimo, 13º salário e repouso semanal remunerado, por exemplo, não poderão ser tocados. O pagamento de horas extras continua sendo superior ao do normal em pelo menos 50%. As negociações entre patrões e empregados também não podem tratar de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego e salário-família, que são benefícios previdenciários.
O texto que entrará em vigor este mês também proíbe que uma empresa recontrate, como terceirizado, o serviço de empregado que tenha sido demitido nos últimos 18 meses. “Dizem que a legislação veio para suprimir direitos, mas não foi o que aconteceu. Uma legislação infraconstitucional jamais poderia se sobrepor ao que está na Constituição Federal”, explicou o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan.
A lei também penaliza os empregadores que não registrarem os funcionários. A multa para esses casos diminuiu durante a tramitação do texto na Câmara dos Deputados, mas continua mais alta que a praticada atualmente: para cada empregado não registrado, a penalidade será de R$ 3 mil. No caso de micro e pequenas empresas, de R$ 800. A proposta do governo era que fossem de R$ 6 mil e R$ 1 mil, respectivamente. Hoje, a empresa está sujeita a multa de um salário mínimo — o que equivale, em 2017, a R$ 937 — por empregado não registrado, acrescido de igual valor em cada reincidência. (AA)