No fim da década de 80, a psicóloga Maria Letícia Leite iniciava a vida profissional em Carajás, no Norte do país, e poupava na caderneta recursos para realizar projetos futuros, como a compra de uma casa nova em Belo Horizonte, para onde ela se mudaria. As economias, no entanto, foram afetadas pelo plano Bresser, lançado em 1987 pelo então presidente José Sarney, como pacote de medidas para conter a inflação. O plano econômico não surtiu o efeito esperado, mas prejudicou as reservas monetárias dos brasileiros, com correções abaixo dos índices oficiais de atualização do dinheiro usados na época. Quase 30 anos depois, a psicóloga ainda espera receber os valores que perdeu devido ao reajuste aplicado a menor aos saldos das cadernetas de poupança.
Como Maria Letícia, centenas de brasileiros aguardam pelo julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) capaz de pôr fim à batalha judicial entre bancos e associações de defesa do consumidor, que, há mais de uma década, discutem nos tribunais o ressarcimento aos poupadores. Ao longo dos anos, centenas de ações foram extintas, mas outros milhares de brasileiros ainda podem ser beneficiados por uma decisão da Justiça.
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Na última segunda-feira, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Associação de Proteção dos Direitos dos Cidadãos (APDC) e a Associação Civil dos Consumidores protocolaram petição pedindo urgência ao STF para o julgamento da matéria. Os planos econômicos foram medidas lançadas pelos governos, a partir do fim da década de 80 até início da década de 90. Entre outros objetivos, a meta era controlar a escalada de preços no país.
O julgamento, que atrai a atenção tanto do governo quanto dos bancos, está travado no STF desde maio de 2014 por falta de quórum. Isso porque quatro dos 11 ministros chegaram a se declarar impedidos de debater o tema. Em março, no entanto, a ministra Cármen Lúcia, que até então se encontrava impedida de votar por ter um familiar à frente de um processo, afirmou que poderia participar do julgamento. Com oito ministros aptos, o caso pode voltar à pauta da corte.
Não há consenso entre os valores devidos aos poupadores. Os bancos teriam provisionado algo próximo de R$ 15 bilhões, mas o Idec, que também fez levantamentos sobre o tema, acredita que os pagamentos não ultrapassariam R$ 5 bilhões. Reportagens publicadas pela imprensa dão conta de que os bancos estariam tentando acordo com os poupadores. “Acredito que essa seja uma estratégia do sistema financeiro para evitar o julgamento pelo STF. Até agora não temos notícias de que algum banco tenha procurado os beneficiários para fazer acordos”, diz o advogado do Idec, autor da petição ao STF, Walter José de Moura. Segundo ele, a expectativa é de que a questão entre na pauta da corte antes da saída de seu presidente, ministro Ricardo Lewandowski.
O advogado do Idec diz que, em caso de uma decisão favorável do STF à ação coletiva do Idec, todos os poupadores do país terão direito aos recursos. Como o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal fazem parte das instituições financeiras que devem ressarcir os consumidores, parte dos valores deve sair do Tesouro Nacional.
Lillian Salgado, advogada especializada no direito do consumidor do sistema financeiro e presidente do Instituto Nacional de Defesa Coletiva (INDC), diz que já há um consenso na questão dos índices. No entanto, diante da morosidade do Judiciário, muitos poupadores morreram antes de ver o reconhecimento do direito.
A psicóloga Maria Letícia não sabe qual seria o montante a receber, mas faz planos. “Sou especialista em coaching (metodologia de desenvolvimento e capacitação de recursos humanos) e quero usar esse dinheiro para investir em minha qualificação profissional, fazendo cursos especializados na área”, planeja ela, que tem esperança de ver um ponto final na matéria.
CORTES SEGUIDOS
A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que preferiu não comentar o tema. A federação também não esclareceu se, de fato, vai tentar um acordo com os poupadores. Segundo cálculos do INDC, em junho de 1987 foi aplicado à cadernetas de poupança o índice de 18,02%, quando o percentual devido era de 26,06%. Em março de 1990, os saldos das cadernetas de poupança foram reajustados em 72,78%, ao passo que o percentual devido era de 84,32%; já em março de 91 foi estipulada a correção à caderneta de 8,49%, quando o valor devido seria de 11,79%.
Marinella Castro/EM - Postado em 08/08/2016 00:12 / Atualizado em 08/08/2016 07:48