Nos moldes da nova legislação, terceirização pode ser benéfica
16/11/2018 14:55 em Opinião

 

15 de novembro de 2018, 8h05

Por João Grandino Rodas

 

Por força da soberania de que gozam os Estados, seus respectivos ordenamentos jurídicos são autônomos, não necessitando serem coerentes entre si. Contudo, como os fatos repetem-se ao redor do globo, há figuras jurídicas que surgem em determinado Estado e se replicam em outros. Daí existirem categorias jurídicas em vários sistemas jurídicos estatais, muitas vezes com o mesmo nome, mas que nem sempre coincidem em seus contornos.

 

No caso da terceirização, nem mesmo a nomenclatura é a mesma, pois é chamada outsourcing em língua inglesa; externalização, em Portugal; e externalización e tercerización em língua espanhola. As origens etimológicas são, portanto, derivadas do vocábulo terceiro e na ideia de busca externa ou de fora.

 

O trabalho terceirizado surgiu nos Estados Unidos, no evolver da Segunda Guerra Mundial, quando as indústrias de armamentos centraram a força de trabalho na sua atividade-fim e contrataram empresas, que forneciam seus próprios empregados, para a realização de determinadas atividades. Finda a guerra, a terceirização permaneceu e espalhou-se pelo mundo, devido à necessidade de mão de obra por parte das empresas, que se internacionalizavam e acreditavam aumentar sua produtividade, caso se dedicassem à sua atividade-fim.

 

No Brasil, a materialização da terceirização foi paulatina e vagarosa. Indiretamente, a terceirização foi tratada: (i) pelo artigo 455 da CLT, que permitia a subcontratação de operários pelo empreiteiro principal; e (ii) pelo artigo 10, do Decreto-lei 200/1967, que regulava a terceirização no setor público. A terceirização passou a ser tratada diretamente pela: (i) Lei 6.019/1974, que permitiu a terceirização de serviços, por meio de empresa interposta; (ii) Lei 7.102/1983, sobre trabalho terceirizado no âmbito da segurança e vigilância bancária, em caráter permanente.

 

Mesmo nesse ambiente de parco substrato legal, nas últimas décadas, a contratação de terceirizados cresceu enormemente. Por meio do enunciado 256, o TST reconheceu a terceirização como exceção. A Súmula 331 do mesmo tribunal regulou a terceirização, fixando seus limites e forma, permitindo-a somente para atividades-meio.

 

A primeira lei sobre terceirização foi a 13.429, de 31 de março de 2017. Na prática, a contratação das empresas não se circunscreveu aos limites dessa lei, que permitia a terceirização apenas para serviços determinados e específicos. A abrangência e a conceituação de terceirização unicamente passaram a figurar em lei na 13.467, de 13 de julho de 2017 (reforma trabalhista):

 

“Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução”[1].

 

Face, entretanto, ao longo histórico de tergiversações em matéria de contratação terceirizada e ao receio das empresas de ver criado passivo trabalhista sub-reptício, somente com o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324, pelo STF, em 30 de agosto, passou a haver segurança jurídica para a contratação em tela. Ficou assente ser lícita a terceirização, nos termos das leis 13.429 e 13.467, ambas de 2017, tanto para a atividade-meio quanto para a atividade-fim.

 

A propósito do primeiro ano de vigência da reforma trabalhista, que ocorre neste mês de novembro, o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) dedicou um módulo de seu curso de especialização aos aspectos relevantes da reforma trabalhista. São os seguintes os pontos mais relevantes da conferência de Renato Custodio sobre cautelas que as empresas devem ter com referência à contratação terceirizada.

 

Importância do julgamento da ADPF

O STF, ao julgar a ADPF 324, avalizou a aplicação da terceirização, quer para atividade-meio, quer para atividade-fim, dando-lhe total segurança jurídica. Importante é o efeito erga omnes dessa decisão, que vincula o entendimento do TST e dos tribunais regionais do trabalho. Muito embora essa ADPF objetivasse a declaração da constitucionalidade ou não da Súmula 331 do TST, ela resolveu o passado, o presente e o futuro. Ao afirmar que a terceirização era lícita, mesmo antes das leis específicas sobre terceirização, por consequência lógica, reconheceu o teor das leis 13.429 e 13.467, de 2017. Fincou, ademais, balizamento seguro para o julgamento da pletora de ações em tramitação na Justiça trabalhista sobre terceirização, anteriores às citadas leis.

 

Amplitude da terceirização

A decisão da ADPF 324 não significa, contudo, cheque em branco para a utilização da terceirização. Reiterando o constante da lei, está explícito nessa decisão a necessidade de verificação da idoneidade e da capacidade econômica da empresa. Terceirização implica em responsabilidade civil da empresa tomadora, com relação ao desempenho da atividade de prestação de serviço. A doutrina e a jurisprudência reconhecem que os contratantes de serviços terceirizados devem não somente escolher bem a empresa prestadora, mas também fiscalizá-la adequadamente. Somente assim afastarão as culpas in elegendo e in vigilando. É importante figurar no contrato uma cláusula obrigando o prestador de serviço a entregar, mensalmente, comprovação do cumprimento de todas as obrigações trabalhistas relativas aos terceirizados, sob pena de não pagamento da fatura. Com tal medida, o tomador de serviços assegurar-se-á de que as obrigações trabalhistas estão sendo, rigorosamente, cumpridas pela empresa prestadora de serviços.

 

Quarentena

A Lei 13.467 contempla a quarentena, ou seja, impossibilidade de admitir por 18 meses, como terceirizado, ex-empregados da tomadora de serviços, seja na condição de empregado ou de sócio da empresa prestadora. Tal visa impedir a conversão em massa de empregados diretos em terceirizados. Substanciais são os riscos da não observância da quarentena, notadamente de que seja declarada a nulidade da terceirização, reconhecendo-se o vínculo de emprego, diretamente, entre o empregado da terceirizada e da tomadora.

 

Capacidade econômica

A Lei 13.429 e o STF, no julgamento da ADPF, mencionam capacidade econômica. Com o intuito de afastar a subjetividade, o legislador apresenta critérios objetivos e os valorou. O artigo 4º-B da Lei 6.019/1974, incluído pela Lei 13.429, especifica os parâmetros necessários de fixação mínima do capital social, de acordo com o número de empregados: (i) empresas com até 10 empregados, capital mínimo de R$ 10 mil; (ii) empresas com mais de 10 e até 20 empregados, capital mínimo de R$ 25 mil; (iii) empresas com mais de 20 e até 50 empregados, capital mínimo de R$ 45 mil; (iv) empresas com mais de 50 e até 100 empregados, capital mínimo de R$ 100 mil; e (v) empresas com mais de 100 empregados, capital mínimo de R$ 250 mil.

 

Requisitos contratuais

O contrato, de natureza civil, deve ser escrito, qualificando as partes e especificando o serviço e a duração. A utilização do terceirizado para fazer serviço diverso do especificado no contrato pode gerar a anulação, pelo Judiciário, do contrato de terceirização. Obviamente o prazo de duração pode ser determinado ou indeterminado. Importa: (i) o exame do contrato social da empresa prestadora de serviço, para verificar seu capital social; e (ii) o cadastro geral de empregados e desempregados (Caged) do mês da celebração do contrato e também dos meses posteriores, para possibilitar a verificação da manutenção dos requisitos legais da empresa.

 

Salário dos terceirizados

O artigo 12 da Lei 6.019/1974 diz que ficam assegurados ao trabalhador temporário a remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora. O artigo 4º, parágrafo 1º dessa mesma lei (conforme alteração trazida pela Lei 13.429/2017), por sua vez, faculta às partes contratantes estabelecer, se assim entenderem, que os empregados da contratada farão jus a salário equivalente ao pago aos empregados da contratante, além de outros direitos não previstos nesse artigo. Há de se observar que essa diferença existe, pois o artigo 12 trata do empregado temporário, enquanto o artigo 4º refere-se ao empregado terceirizado.

 

Dessa forma, é possível que se estipule no contrato a percepção de salários equivalentes e, eventualmente, outros direitos. É necessário ter em mente que, por ser constitucional, o princípio da isonomia dificilmente pode ser desconsiderado. Por outro lado, é usual que nas terceirizações totais de setores produtivos industriais e de prestação de serviços não haja paradigma para efetuar a comparação. Por isso, a equiparação salarial entre empregados da terceirizada e da tomadora de serviços dificilmente será factível.

 

Já no caso da aplicação da convenção coletiva de trabalho da tomadora em relação aos empregados da terceirizada, o risco é real. Ainda que se considere o disposto em lei, no sentido de que essa possibilidade deva estar contemplada no contrato de natureza civil, por certo também pode ser invocado o princípio da isonomia. Daí ser necessário que o tomador de serviços tenha cautela.

 

Terceirização em cadeia

A Lei 6.019/1974, conforme alteração trazida pela Lei 13.429/2017, permite que a empresa prestadora de serviços terceirizados subcontrate outras empresas de prestação de serviços para execução do objeto contratual. Tal permissão configura a denominada terceirização em cadeia.

 

Subordinação

O tomador de serviços deverá ter cuidado redobrado para que os empregados da empresa prestadora de serviços não se tornem seus subordinados, sob pena de se caracterizar a existência de relação de emprego direta. É extremamente relevante que a empresa prestadora de serviços efetivamente contrate, remunere e dirija os contratos de trabalho dos empregados terceirizados, devendo-se evitar que sejam proferidas ordens pelos representantes da tomadora diretamente aos empregados da empresa terceirizada.

 

Terceirização e pejotização

Tem sido salientado que a terceirização não autoriza a utilização de pessoas jurídicas para mascarar a existência de relação de emprego. Quando uma determinada pessoa física, ainda que sócia ou titular individual de uma pessoa jurídica, prestar serviços com habitualidade, subordinação, onerosidade e pessoalidade, será considerada empregada. A utilização de pessoas jurídicas com o intuito de desvirtuar a existência de um contrato de trabalho, a denominada pejotização, traz risco acentuado às empresas. A prestação de serviços pelos sócios de pessoas jurídicas somente pode acontecer quando não estiverem presentes, de forma cumulativa, os mencionados requisitos do contrato de trabalho.

 

Da conferência de Renato Custodio pode-se extrair que as novas disposições legais sobre terceirização e a interpretação dada pelo STF na ADPF 324 trazem cenário extremamente favorável às empresas, que poderão relegar a terceiros a contratação, remuneração e direção dos contratos de trabalho necessários para que se atenda a consecução de sua atividade, inclusive a principal.

 

Contudo, é de extrema importância o fiel cumprimento dos requisitos legais de formalização do contrato, assim como a escolha correta da empresa prestadora de serviços, que, além de idônea, deverá ter capacidade econômica compatível. A fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas pelas empresas contratadas e a imperiosa necessidade de que não haja subordinação direta entre os empregados da empresa prestadora de serviços e a tomadora são aspectos relevantes que deverão pautar essas relações jurídicas. A terceirização, nos moldes da nova legislação, poderá ser benéfica.

 

 

[1] Artigo 2º da Lei 13.467, de 13 de julho de 2017.

 

 

 

João Grandino Rodas é sócio do Grandino Rodas Advogados, ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

 

Revista Consultor Jurídico, 15 de novembro de 2018, 8h05/Site Conjur

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